Lugar para existir

Desde criança lembro de ouvir muitas frases de efeito, dentre elas as que se referem ao lugar sempre me chamaram atenção, desde encontrar um “lugar ao sol” ou encontrar  nosso “lugar no mundo”. Sol é luz, luz é vida. Chuva também é vida, a vida veio da água que também está contida na chuva. Qual o problema de um lugar à chuva? O desconforto. Mas, o sol que brilha, que ilumina, dependendo do tempo de exposição pode tornar-se desconfortável e até perigoso. Mas, voltando ao lugar, a questão que mais me desperta curiosidade são os verbos que os acompanha: buscar, encontrar. Por que um lugar, por assim dizer, pronto? Perfeitinho e inerte, esperando para ser localizado. Se invés de ir ao encontro de um lugar ideal, cada um não firmasse um compromisso consigo em construir pouco à pouco o seu lugar? Mas um lugar  da existência que sempre estivesse conosco e que por onde passássemos fossemos compondo e recompondo conforme as experiências que vivêssemos. E que encontrássemos os lugares dos outros e que por certo tempo esses também fizesse parte do nosso. O lugar compõe-se de encontro, desencontro, reencontro, não exatamente nessa ordem. Mas, é movimento, é fluxo, é sensação, dúvida que vamos organizando para trazer sentido à vida. Expandir conceitos, decompor ideais e deixar-se afetar pela experiência – é urgência.

Pensar a escrita, escrever o (não) pensamento

“O processo de escrever é feito de erros – a maioria essenciais – de coragem e preguiça, desespero e esperança, de vegetativa atenção, de sentimento constante (não pensamento) que não conduz a nada, não conduz a nada e de repente aquilo que se pensou que era ‘nada’ era o próprio assustador contato com a tessitura de viver – e esse instante de reconhecimento, esse mergulhar anônimo na tessitura anônima, esse instante de reconhecimento (igual a uma revelação) precisa ser recebido com a maior inocência, com a inocência de que se é feito. O processo de escrever é difícil? Mas é como chamar de difícil o modo extremamente caprichoso e natural como uma flor é feita”.

Clarice Lispector

Imagem

Ah, os dias…

Ontem seis meses que estou fora do Brasil. Hoje seis meses que estou cá em Portugal. O espaço-tempo que liga a partida da chegada é preenchido pelo filme da vida. No caso, a minha. Mesmo sem ter edição apurada, com cortes abruptos, diálogos muitas vezes improvisados, foi composto de tomadas de tirar o fôlego, pequenos gestos de delicadeza, a alegria diante do novo, a surpresa do amor  e a possibilidade de continuidade, quem sabe em mais um longa.

C.C. “Cela Corbusier”: a dialética do corpo e do espaço

Ficha Técnica e Artística
Encenação, Dramaturgia, Espaço Cénico e Figurinos: Pedro de Oliveira Rodrigues
Elenco: Ana Caldas Araújo, Ana Moreno, André Júlio Teixeira, José Olivares e Sara Pinto Pereira
Design de Luz: Cárin Geada
Desenho de Som: André Rodrigues
Música ao Vivo: Evols
Execução de Guarda-Roupa: Mário Ribeiro e Alexandra
Produção Executiva: Alice Prata
Produção: Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura

Três celas:

1.  “Só consigo sentir o que também minha carne sente”. É mais ou menos o que diz o ator. Está paralisado, os movimentos mais básicos não são possíveis, não consegue sentir porque falta o movimento, não consegue organizar-se em um corpo estático, tudo que sente e pensa fica confuso.

2.“O corpo que se movimenta num código específico” a partir da luta da atriz com a gravidade. Levanta, cai, levanta, seu corpo não suporta os movimentos milimetricamente calculados do balé clássico. Desiste e joga-se em uma cadeira, como um fardo por não conseguir disciplinar os músculos e articulações à sua vontade de ser bailarina.

3. “Um só indivíduo, o Funcionário do Escritório”. A dualidade esquizofrênica de um ser: dois corpos/atores que tateam o limite entre o corpo do funcionário e o espaço do escritório.

Cela Corbusier expande as concepções de corpo e espaço a partir dos movimentos ou até  mesmo da imobilidade. A dialética (inventada) entre corpo e espaço e a metáfora da fronteira fixa que limita um e o outro.  A experiência do espetáculo trouxe novamente duas questões que me acompanham desde o início da pesquisa: o que pode um corpo no espaço? O que pode o espaço em determinado corpo?

Ultrapassando terras lusas

A falta de tempo para atualizar os acontecimentos é muito maior que a vontade de compartilhá-los. Muita coisa (boa) vem acontecendo desde que cheguei as terras lusas, minha intuição me levou para um lugar onde pude me reecontrar  no “outro”. Nos últimos meses revi muita coisa, conceitos, ideias, atitudes, comportamentos, o que me trouxe mais coragem para aceitar o que me faz bem e me afastar do que me traz mal estar.

Portugal, em especial Guimarães, me faz sentir em casa apesar do oceano que me separa de minhas raízes. Me trouxe um amor, novas amizades, reforçou antigas e revelou as que não eram sinceras. Sentir fazer parte mesmo quando se é estrangeira é uma experiência rara. Fonteiras são traçadas de acordo com os interesses que as fazem existir, mas também são expandidas conforme as relações que se estabelecem.

O espaço capitalista não é o relacional, não reforça as relações cotidianas, as esfacela, tornando cada um centrado em si, sozinho mesmo diante de uma multidão. Percebi essa diferença na “carne” quando ultrapassei as fronteiras lusas, um país em crise econômica, mas tão rico em tantas outras coisas…

Citty maquette: o diálogo dos corpos em movimentos

maqueta |ê ou é|
(francês maquette, primeiro esboço)

s. f.

1. Pequeno esboço de obra de escultura modelado em barro ou em cera.
2. Modelo reduzido de um cenário ou de um edifício.

Fonte: <http://www.priberam.pt/&gt;

Quando modelizamos uma maqueta/maquete tradicional a visualidade é o elemento que guia nossas ações para representar um determinado espaço.
Uma representação inerte em sua materialidade fixa diretamente associada a idealização do espaço como conceito apenas, excluindo toda e qualquer experiencia multisensorial.
A performance da coreógrafa francesa Mathilde Monnier – realizada em Guimarães com a participação de 80 vimanarenses – desafiou o conceito de representação de através de uma maqueta/maquete que apresentou a cidade a partir de seus corpos; propôs “um diálogo  entre gerações, originando um território coreográfico que cruza os potenciais imaginários dos participantes num processo coletivo de repensar, mapear e projectar a cidade”.
Citty Maquette, rompe com discurso da cidade como materialidade e do urbano como mera produção econômica. Estabeleceu um diálogo através da diferença – seja de idade, gênero, etnia, anatomia, vestuário, etc –  a partir dos movimentos que incorporaram uma maquete/maqueta viva de Guimarães.  Além de atividades cotidianas, artísticas e desportivas, os corpos também traziam sonhos, inquietações e sensibilidades.